Dos escravos a construção de uma cidade: A história da comunidade negra em Cordeirópolis

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Jornal Expresso/Portal JE10 conta a trajetória inédita dos negros no município. A superação após a escravidão na Fazenda Ibicaba, as mãos que foram primordiais no desenvolvimento de Cordeirópolis e como hoje continuam lutando e buscando seus espaços nos quatro cantos da cidade

Loja Barbosa (3)

A história começa a partir de 1760, no período, a coroa portuguesa exigiu a ocupação do interior da Capitania de São Paulo e assim implementou a cultura da cana de açúcar, tornando as cidades de Mogi Guaçu, Jundiaí, Sorocaba e Piracicaba como o quadrilátero do açúcar. Já nas primeiras décadas do século XIX, novas terras foram conquistadas através do sesmaria, que era um instituto português de distribuição de áreas. Assim, nasce as terras produtivas do Morro Azul e o nascimento da Fazenda Ibicaba, empreendimento esse, primordial para a fundação das cidades de Limeira e Rio Claro. Com a produção a todo o vapor, a chegada dos primeiros escravos na região aconteceu em meados de 1830.  Em 1841, a Fazenda Ibicaba constituiu a primeira colônia de parceria do Brasil Imperial onde o senador, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, abandonou a obra de mão escrava pela dos imigrantes. Porém, em 1888 após o fim da escravidão, José Vergueiro, tinha poucos imigrantes e todo o trabalho ainda era realizado por mais de 300 escravos. É o que conta o livro “Fazendas Históricas da Província de São Paulo” de José Eduardo Heflinger Júnior.

Após a libertação dos escravos, muitos deles vieram para os arredores da cidade, pois na época, Cordeirópolis não era reconhecida como um município. Como registrado no Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharel em Pedagogia pela UNESP – Rio Claro, de  Cátia Regina de Souza, em 1901 a Capela de Santo Antônio do Cordeiro foi elevada como Paróquia, sendo primordial para a contribuição do desenvolvimento do povo. É o que ela mesmo relata em entrevista, através de histórias que foram passadas de geração em geração.

“Minha mãe conta, que os escravos que chegaram aqui o padre desta capela abraçou todos os negros com carinho e através da igreja ensinou eles a cozinhar, a confeccionar bolos, linguiça e a fazer suas terras mais férteis. Com isso, todos foram muito importantes para o desenvolvimento da cidade”, contou.

Destaca-se nesta história, a Companhia Paulista de Estrada de Ferro. Sendo que, em 1876 implantou suas linhas férreas que passavam por Cordeirópolis, tudo isso devido ao alto potencial de produção da Fazenda Ibicaba. O local recebia apenas um barracão de madeira como visto em outras estações da época. Cinco anos depois, em 1881, a estação recebeu seus primeiros funcionários. E ao fim da escravidão, a Companhia Paulista foi uma das percussoras na contratação de negros.  Antônio Carlos,aposentado, de 74 anos trabalhou na Companhia anos mais tarde, o qual iniciou sua carreira em Rio Claro e passou por diversas cidades da região, até chegar em Cordeirópolis.

“Nos finais dos anos 50, eu era jovem e trabalhava na Companhia de Rio Claro. E existia muito preconceito, dentro da ferrovia mesmo. A história sempre foi assim, pois, meu avô e meu pai também foram ferroviários e contam a mesma história de luta contra o preconceito. Para ter uma ideia, os negros eram proibidos de frequentar o grêmio de recreação e lazer da Companhia Paulista, mesmo exercendo as mesmas funções e recebendo os mesmos salários. Na década de 70, quando eu fui transferido para Cordeirópolis, eu sofri preconceito no serviço aqui, as pessoas olhavam torto e não confiavam em mim, tive que trabalhar muito e eles tiveram que se acostumar com o único negro que tinha ali. Mais tarde, quando eu perdi a visão, solicitei que fosse transferido como escriturário e com o decorrer do tempo mostrei eficiência e fui crescendo. Anos mais tarde, as pessoas não acreditavam onde eu tinha chegado. Logo quando eu fui transferido para Campinas, meu engenheiro chefe também era negro e as pessoas julgavam que eu era o protegido dele por ser negro também”, detalhou Antônio Carlos.

O ano é 1937, havia se passado 48 anos do fim da escravidão. Cordeirópolis crescia e preparava terreno para se tornar uma cidade independente o que aconteceria mais tarde, em 1948. Porém, neste período, Ignês Cassiano, viria ser a residente mais ilustre de Cordeirópolis, pois haviam apenas três famílias negras e sentiu a necessidade de construir um patrimônio para seu povo e superar as dificuldades, ainda mais por ser descendente de escravos, pois  aos 10 anos foi “dada” ao patrão para trabalhar na casa da fazenda como babá ou mãezinha, como era chamada a tarefa na época.

Diante disso, ela e seu marido que era ferroviário, José Cassiano, decidiram então realizar a construção de um local onde os negros e todas as pessoas seriam bem-vindas. A ideia veio após ela saber que havia um clube na cidade onde os negros não podiam entrar. Então, o casal realizou a compra de um terreno à prestação e contou com a ajuda dos munícipes e da prefeitura para a construção desse local que seria como um encontro dos povos, já que lá não havia distinção alguma.

“Me sinto feliz por terem ajudado a construir o clube Princesa Isabel e desejo que ele sempre tenha continuidade”, disse Ignês Cassiano à tese apresentada pela pedagoga, Cátia Regina de Souza, em 2001.

Ainda na história, Ignês Cassiano, deixou outra marca registrada, a compaixão ao próximo. Ela, foi responsável em ajudar muitas pessoas, como diversos idosos. Com isso, ela vendeu então uma casa que tinha e doou a verba para a construção do asilo, ideia que foi abraçada pelo Centro Espirita Alvorada Cristã que conseguiu uma doação de terreno realizada pela Agropecuária Santana S/A de Araras. O asilo Lar Santa Inês levou 13 anos para ser construído tendo sua inauguração em 1997 e recebeu seu primeiro idoso em 1998, local que carrega esse nome em homenagem a Ignês Cassiano . Seu falecimento ocorreu no dia, 19 de agosto de 2010 .

No dia 16 de dezembro de 1998, a igreja voltava a ser protagonista na história de Cordeirópolis. Cerca de quatro mil pessoas estavam presentes no Ginásio Governador Orestes Quércia. Comemora-se então os 100 anos da libertação dos escravos, o padre Mauricio Sebastião Ferreira, trazia para Cordeirópolis a primeira missa africana ao som de atabaques e danças culturais os munícipes da época puderam acompanhar uma das mais belas missas registradas até hoje. Ali, o padre Mauricio, foi ordenado como sacerdote do povo.

“Construiu comunidades, organizou com os mesmos líderes a administração econômica e resgatou grande parte do povo que hora haviam abandonado a igreja. Abdicou de seus vencimentos (salário), para que não faltasse nada aos seus pobres e seminaristas. Foi capaz de deixar seus seminaristas (vocacionados) em jejum, dando sua comida há quem lhe batia à porta em sinal de partilha e doação, e isso com aprovação dos mesmos”, fatos registrados em documentário .

Na luta diária, o povo negro se fortaleceu e hoje continuam lutando pelo seu espaço. Em Cordeirópolis, conforme o IBGE com base no censo de 2010, apontou que 5,2% da população se declarou preta. Desse número, um pequeno cordeiropolense colocou seu nome em grande escala, André Motta, de apenas nove anos é um dos jovens talentos e hoje se prepara estampar seu nome em uma das principais companhias de balé do mundo, a Bolshoi Brasil.

“Fiquei muito emocionado não sabia se ria, chorava ou agradecia a Deus, queria contar pra todo mundo ao mesmo tempo. Tudo é muito novo, mas minha esposa Gisele está organizando tudo pra nossa mudança de vida, deixei pra ela, porque ela se sai melhor do que eu”, contou o pai do garoto, Mota Amaral.

Um outro dentro deste número, é o baiano e cordeiropolense, Luu. Que se firmou no município e hoje é um dos grandes nomes da música cordeiropolense.

Cantor Luu

PARA A HISTÓRIA:

Celebrado na próxima semana, a Consciência Negra (20) não era uma data celebrada no calendário do município. Mudança essa que ocorreu em 16 de setembro de 2002. Através do projeto de lei nº 47 do ex-vereador Sergio Balthazar em que ele declara a importância desta data. Escreveu em lei:

Considerando que os negros, não só os cordeiropolenses, como os negros brasileiros em geral, ainda estamos aguardando algumas medidas em forma de leis que possam amenizar os males que nos causou a escravidão de nossos antepassados.

O dia 20 de novembro como feriado municipal vem, de certa forma, oferecer uma data para comemorarmos nossa luta, nossa conquista e nosso reconhecimento como raça.

 A escravidão, para o negro, é um câncer maligno, que trouxe graves consequências, que nos acompanham até hoje, quer seja individualmente, ou enquanto raça, que perante a sociedade é inferiorizada.

Outra data para a história de Cordeirópolis, é o dia 25 de julho, o dia de Ignês de Oliveira Cassiano" e também da "Mulher Negra". Lei essa, criada pela vereadora na época, Fatima Celin. Em seu projeto de lei, ela diz:

No dia 19 de agosto de 2010, ela morreu, deixando um grande exemplo de vida, de perseverança e de resistência, principalmente de amor. Por isso, o dia 25 de julho “Dia de Ignês de Oliveira Cassiano e da Mulher Negra”, tem o objetivo de fortalecer a referência de solidariedade, de resistência à exclusão e à discriminação.

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